Passei anos e anos achando o Natal uma chatice... só comecei a gostar depois que ele deixou de ser uma trabalhosa obrigação e se tornou uma desculpa para ficar horas na cozinha pensando o cardápio, preparando os assados e encomendando -ops- os doces (ninguém é de ferro, né?).

Confesso que depois das primeiras horas de trabalho, especialmente com o forno ligado, picando e cortando numa cozinha que beira os 54ºC, sempre penso que o cardápio tradicional não se ajusta ao Natal tupiniquim. Muito calor, minha gente, muito calor para tanto tempo de forno.
Já fiz ajustes na ceia de ano-novo. Há dois ou três anos abandonamos a carne de porco por frutos do mar. Escolho pela cor e pelo andar: preciso de salmão porque é cor-de-rosa e nada para frente. Seguindo esta mesma lógica, não comemos caranguejo (anda para trás, ou para o lado - como preferires) e carne de aves. Frutas, gosto das amarelas para trazer dinheiro e vermelhas para trazer amor.
Mas bem, estava falando do Natal: acho que a ceia tradicional não se adapta ao clima tropical - ou mesmo ao subtropical, como é o meu caso. Achei que era hora de levantar esta bandeira, mas como toda a grande mudança é um processo, o meu começou devagarinho e pela primeira vez o meu cardápio não contou com farofa. O peru foi recheado com creme de batata doce e linguiça e farofa foi corajosamente abandonada depois de 35 anos, sem falhas.
Achei que planejamento poderia ajudar, então comecei a brincadeira no dia 22: com o menu decidido, fui ao supermercado empunhando uma lista de compras e a expectativa de ficar horas disputando o peru com ferozes donas-de-casa. Qual não foi minha surpresa quando percebi que toda a cidade tinha ido para a praia e o lugar era meu. Só meu. Hahaha, achei que era um sinal de que estava no caminho certo.
Depois de descongelarem por um dia inteiro, no dia 23 assei o peru já recheado e o pernil desossado, que fiz com alecrim e cachaça de gengibre acompanhado por castanhas portuguesas. Cerca de seis horas depois, arrumei a mesa e me organizei para preparar os acompanhamentos no dia seguinte: arroz de jasmim com cogumelos picantes, mix de folhas verdes, muzzarela de búfala com cerejas frescas (parece melhor do que ficou), ponche e entradinhas de queijo.
No dia seguinte, com a mão no quadril, os hormônios fervilhando e boa parte da ceia de Natal para preparar, pedi aos guris para darem uma ajeitadinha na casa, o que eles fizeram com boa-vontade e, claro, um pouco de medo - já que não nasceram ontem.

O resultado da trabalheira foi tão bom que me fez acreditar no milagre de Natal: planejamento, cooperação e ventiladores na cozinha.